Invariavelmente, as vielas do meu pensamento desaguam em becos sem saída.
A cada momento que de ti me lembro, confirmo que pouco sobra de mim.
E o que sobra tem que ser suficiente, embora nunca o seja, neste mundo que nos esmaga a cada dia que passa.
Estamos, mas tão pouco.
Sentimos, mas tão pouco.
Vivemos, mas tão pouco.
Pouco, sempre pouco.
A multiplicação tamanha dos poucos que toldam a vida é amplificada pela tua ausência.
Em linguagem de gente, a tua ausência deu sentido à multiplicação que me corrói nesta maré temporal: só vaza, poucas vezes enche.
Tenho saudades, muitas. Tenho saudades, muitas.
É um mundo voraz sem ti. Quase sempre engolido pelos dias, sem pestanejar. Sem contigo falar.
Tenho saudades, muitas. Tenho saudades, muitas.
É difícil ser ouvido, com ouvidos de escutar.
Tenho saudades, muitas. Tenho saudades, muitas.
A boca, que servia para me contraditar com primor ou para cozinhar conselhos com decibéis habilmente articulados, na expressão e no teor, já não cá mora. E às vezes deixavas a marinar o conselho, bem sei.
Tenho saudades, muitas. Tenho saudades, muitas.
Contudo, ao invés de túnel ao fundo do túnel, vislumbro, agora, luz ao fundo do túnel. A Luzinha dos nossos olhos já despoletou algo inexplicável em mim. Anseio pela continuidade desse condão - qual cola necessária para juntar restos de mim! - e, do pouco que por aqui ficou, almejo retribuir em amor, afeto e carinho: sim, aquele com que sempre me presenteaste (duplamente, pelas razões conhecidas) na sua forma plena. Foste sempre enorme - foi muito amor, sobra a dor.
Tenho saudades, muitas. Tenho saudades, muitas.
'Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?'