- Artigo publicado no Público: https://www.publico.pt/2017/10/20/politica/opiniao/regionalizacao-e-descentralizacao-de-competencias-1789662
- Artigo publicado no Observador: http://observador.pt/opiniao/regionalizacao-e-descentralizacao-de-competencias/#
- Artigo publicado Diário As Beiras: http://www.asbeiras.pt/2017/10/opiniao-regionalizacao-e-descentralizacao-de-competencias/
Deliberadamente, ou não, a Regionalização
e a Descentralização de competências do Estado passou, literalmente, ao lado da
recente campanha autárquica. Independentemente dos resultados eleitorais já conhecidos,
o longínquo Referendo de 1998, afeto à temática da Regionalização, permaneceu
em “banho maria” nas aspirações do atual executivo até, pelo menos, ao momento
pós-autárquico que atualmente vivemos.
O Conselho de Ministros aprovou a 16 de fevereiro
de 2017 a Proposta de Lei N.º 62/XIII, a qual prevê a transferência de
competências para as Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais. Em
documento com a mesma data, emanado pelo Gabinete do Ministro Adjunto, é dito,
em referência à Proposta de Lei citada que “este pacote de Descentralização,
previsto no Programa do XXI Governo Constitucional e encarado como pedra
angular da reforma do Estado, tem em vista reforçar e aprofundar a autonomia
local, através da transferência de competências da administração direta e
indireta do Estado para órgãos mais próximos das pessoas”.
Entre outras áreas, prevê-se a
transferência para as Autarquias e Entidades Intermunicipais de um conjunto de
competências em áreas como a educação, saúde, ação social e áreas portuárias.
Antes de mais, dizer que a minha posição é favorável à Descentralização, ou
seja, à transferência de competências, e por inerência de maior autoridade e
responsabilidade, da tutela para entidades locais/regionais. Justifico esta
minha posição pela maior celeridade na ação e na tomada de decisões, pelo facto
de proporcionar decisões mais ajustadas às condições locais/regionais, pela
maior proximidade do poder local com os seus munícipes, e, não menos
importante, pelo facto de libertar a tutela para outro tipo de decisões,
vincadamente estratégicas para o país e indutoras de uma visão conceptual do
Estado. Subsidiariamente, o novo fluxo de competências locais/regionais a instituir
poderá contribuir para a formação e desenvolvimento pessoal dos quadros
envolvidos no processo, proporcionando um aumento do nível de motivação e de
cooperação inter-regional. Contudo, apesar destas e de outras virtudes da
descentralização, existem riscos inerentes. À partida, numa fase inicial do
processo, a eventual ausência de monitorização nacional poderá desvirtuar os
objetivos da tutela. Por outro lado, acaso a transferência de autoridade e
responsabilidade não seja clara, transparente e percebida pelas entidades
locais/regionais, a uniformidade de ações e políticas de âmbito nacional poderá
estar em causa e gerar conflitos institucionais.
Dito isto, dado o contexto autárquico
atual, deverá ser acautelado um conjunto de aspetos na salvaguarda do interesse
público, sob pena de alavancar alguma falta de transparência autárquica que é
manifestamente refletida no Índice de Transparência Municipal (ITM). É
preocupante a falta de transparência de um grande número de Autarquias, sendo
que as questões que se colocam são as seguintes: (i) será que as Autarquias
estão preparadas para acolher a transferência de competências? (ii) será que o
Estado fará uma mera passagem de testemunho ou estará a preparar ações
específicas para a transferência de competências para as Autarquias? (iii) em
função da heterogeneidade autárquica em matéria de transparência, haverá maior
cuidado da tutela no processo de descentralização nalgumas entidades
locais/regionais deficitárias naquela matéria? (iv) no âmbito do processo em
causa, estarão planeadas ações de capacitação interna em função das
especificidades locais/regionais? Em face dos objetivos da reforma em causa, a
não serem acauteladas as questões suscitadas, temo que a falta de transparência
de muitas Autarquias seja contraproducente.
Pese embora a evolução
significativamente positiva da média do ITM (aumento de 22,4 pontos entre 2013
e 2016), a ausência de 'informação relevante, fidedigna, atempada, inteligível
e de fácil acesso sobre formato, desempenho e gestão do bem público' ainda
vigora em inúmeras Autarquias (em 2016, a média do ITM foi de 52,4 pontos em
100 pontos possíveis, sendo a mediana de 47,7 pontos).
Descentralizar
competências para as Autarquias e Entidades Intermunicipais? Reitero a minha
posição afirmativa, acrescentando que poderá ser relevante para o desenvolvimento
do país como um todo, mas apenas considerando o conjunto de ressalvas referidas
e em estrito respeito face às idiossincrasias locais/regionais. Caso contrário,
o Estado irá transferir competências, vulgo poder, para algumas Autarquias que
teimam em não tornar públicos os atos, decisões e processos de governação, em
claro prejuízo do erário público e colocando em causa princípios de equidade,
igualdade ou de justiça social.
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